Vou falar de Vasco (2021)

Rodrigo L. Dias

Fevereiro 2021


O Vasco nos últimos anos tem apresentado um futebol desanimador a sua torcida. Campanhas para escapar das últimas posições e lampejos de bons jogos, que alimentam esperanças de uma pontuação melhor no campeonato nacional. A situação política do clube é um dos maiores determinantes para a montagem desses elencos recentes, e ainda assim os atores dessas disputas extra campo não conseguem articular nenhuma união vascaína em prol do Vasco. Em campo, vemos times sem disposição, entrega, interesse em vencer. A maioria dos jogadores não ligam, não têm relação afetiva suficiente com o Vasco. Com isso, mancham uma parte da história do clube. O Vasco, durante toda sua história, teve super elencos de seleção e times mais modestos. Mesmo nestes, seguramente pode-se afirmar que tinham mais vontade de ganhar um jogo, e ganhavam. Mas nos últimos anos, repetidas péssimas campanhas e elencos com jogadores que não lutam. A torcida pode até entender que não terá um elenco caro com estrelas e favorito a todos os títulos, em troca de alguns anos de organização financeira do clube. Mas a paciência do torcedor se esgota, ano a ano, seja pelo time de 2005, 2008... ou o de 2020. Elencos numerosos com jogadores que nunca poderiam vestir a camisa do Vasco. Revelações da base nos enchem de esperança, ao compor esses últimos elencos, que desde 2002, têm a receita pronta: bons jogadores da base, com um jogador experiente medalhão, e o resto, um bando de pernas de pau, de empresário, que não tem condições de vestir a camisa cruzmaltina. Mesmo sendo tecnicamente inferiores aos jogadores de primeira divisão, sem saberem bater uma falta, cruzar, driblar, marcar, etc., a única estratégia de que poderiam se utilizar eles não fazem: não correm, não demonstram insatisfação, não reclamam com as marcações suspeitas dos juízes, não tentam. Muitos deles não fazem ideia do peso que essa camisa tem. Já crescem em um contexto em que os times nacionais são mera ponte para os clubes do exterior. Não têm a ideia da dimensão dos grandes clássicos, grandes decisões, da rivalidade, dos estádios lotados e divididos meio a meio, da comunhão da torcida em presenciar grandes times em campo, de ter a torcida rival do outro lado para ver o brilho do nosso time e ouvir nosso canto do samba enredo da Unidos da Tijuca e tantos outros cantos de arquibancada. Ganhar ou perder, mas sempre com luta. As décadas passam no futebol, e a paixão pelo time, só mesmo a torcida. Para o jogador, a fama e o marketing são os carros-chefe. E jogando um bom futebol não seria a melhor estratégia para se atingir isso? Mas em sua maioria, são ruins, e não adianta insistir, vão apresentar esse futebol que faz perdermos a paciência ou mesmo nem conseguir assistir um jogo inteiro.

Mas para falar de Vasco, posso recontar vários jogos de nossa história que ilustram o que sempre queremos do time: determinação de ganhar, seja tendo um super elenco ou não. Em 1970, o Vasco de Fidélis venceu o Santos de Carlos Alberto Torres e Pelé por 5x1 no Maracanã. Neste ano, foi campeão estadual vencendo por 2x1 o Botafogo do técnico Zagallo. Em 1976, o Vasco vence de virada o Botafogo por 2x1, com o famoso golaço de lençol de Roberto Dinamite após matar a bola no peito, aos 45’ do segundo tempo. O Vasco de Mazzaroppi, Roberto e Zanata, campeões de 1977, aplicando 6x0 no Bangu, 7x1 no Madureira e 3x0 no Flamengo. O que dizer dos cinco gols de Roberto Dinamite contra o Corinthians de Sócrates, em seu retorno ao Vasco em 1980: 5x2, uma vitória de virada. E se estou falando de Vasco, é obrigatório relembrar o Expresso da Vitória na década de 40: jogadores como Barbosa, Augusto, Rafanelli, Alfredo, Djalma, Friaça, Ademir, Ipojucan; vieram depois Sabará, Vavá e outros. Primeiro time brasileiro a ganhar um título internacional, o Sulamericano de 1948. Ficaram 20 jogos sem perder para o Flamengo, entre 1945 a 1951, série que começou com um 5x1, placar típico de goleadas do Vasco sobre o arquirrival. Bicampeão em 1949/50, sendo campeão invicto em 1949, aplicando 5x2 no Flamengo, 11x0 no São Cristóvão e 8x2 no América. No ano seguinte, 4x1 no Flamengo e 9x1 no Madureira. Em 1957, o Vasco da Gama de Vavá bate o bicampeão europeu Real Madrid de Di Stéfano e Kopa, sendo campeão do Intercontinental de Paris. No mesmo ano, Laerte, Vavá e compania aplicam um 7x2 no Barcelona, campeão da Copa do Rei. O Vasco ganha a primeira Taça Guanabara em 1965, atropelando o Fluminense na primeira rodada e derrotando o Botafogo. Em 1986, o Vasco de Romário e Dinamite conquista a Taça Guanabara ao vencer o Flamengo por 2x0 em um Maracanã com 120 mil pessoas. E o Bicampeonato em cima do Flamengo em 1987/88 marcado pelo gol do Cocada ao final do último jogo? Em 1988, Vasco e Flamengo se enfrentaram seis vezes, vencemos cinco. É o Vasco de Acácio, Paulo Roberto, Donato, Fernando, Mazinho, Zé do Carmo, Geovani, Henrique, Vivinho, Romário, Sorato, Bismarck e Dinamite. Em 1989, uma vitória de virada por 4x1 na estréia de Bebeto. Em 1990, em um jogo contra o Internacional, um gol de falta do Bebeto, a bola passa por cima da barreira, numa cobrança quase na entrada da grande área, da lateral do campo. Em 1994 foi o ano de sacramentar o Tri: passando por cima de Flamengo, Botafogo e Fluminense. É o Vasco de Carlos Germano, Valdir, Jardel, Dener e Luisinho. Menção honrosa ao atropelo no Fluminense na final da Taça Guanabara do mesmo ano. Valdir, camisa 7, em um jogo contra o Internacional no Brasileiro de 1994, da entrada da grande área encobre o goleiro do Inter. O time do Vasco demonstrou superação em um jogo que venceu de virada o Cruzeiro no Mineirão pelo Brasileiro do ano seguinte. Era o Vasco de Valdir e Ricardo Rocha. Em 1997 o Vasco de Edmundo, Evair, Juninho e Ramon atropela o Flamengo no Maracanã, para seguir rumo a mais um título brasileiro. Em 1998 o golaço de falta de Juninho no Monumental de Nuñes, classificando o Vasco para conquistar a América. No mesmo ano, pelo Brasileiro, Ramon faz um golaço de letra contra o Santos. Era o Vasco de Juninho, Ramon e Felipe. No ano seguinte, golaço de falta de Juninho na decisão do Torneio Rio-SP. Pelo Estadual, o Vasco de Donizete e Guilherme aplica 8x1 no Madureira, e na decisão da Taça Rio vence o Flamengo, com dois golaços de Edmundo. Ainda em 1999, Edmundo faz um golaço de falta em São Januário, em um jogo contra a Ponte Preta. Pelo Brasileiro, vence o Flamengo no Maracanã. Em uma jogada aos 40’ do segundo tempo, Donizete recebe no meio do campo, gira e dribla Rodrigo Mendes, carrega pela direita até a entrada da grande área, toca para Juninho que de primeira guarda no gol. Em entrevista a beira do campo, Edmundo fala: “Não tem mais graça, a gente só ganha!”, “Eu acho que tá de parabéns toda a equipe do Vasco, que mostrou muita garra e determinação”, perguntado se o 1x0 foi justo, Edmundo responde: “Foi muito pouco, muito pouco, nosso time é dez vezes melhor que essa m#%@”. Em 2000 o Vasco de Edmundo e Romário vence o Manchester, campeão da Champions League e do Mundial do Japão de 1999. Na campanha da Taça Guanabara de 2000, aplica 5x0 no Cabo Frio, 6x0 no Americano, e na decisão, um chocolate no Flamengo de 5x1: de virada, com direito a embaixadinhas e gestos para a torcida rival “abaixar a bola” feitos por Pedrinho e Romário mostrando seu futebol no time em que surgiu. Na Taça Rio, Edmundo faz um golaço de falta contra o Botafogo no Maracanã. Pelo Brasileiro, o Vasco vence o Fluminense de virada, com um golaço de falta de Juninho, camisa 31. O quarto gol desse jogo foi feito pelo Juninho Paulista, camisa 10, num chutaço de fora da área. Contra o Atlético MG, o dono da camisa 7, Pedrinho, bate uma bomba de fora da área, de muito longe da grande área, pra fazer o quarto gol da goleada sobre o Galo: 4x0. Na semifinal, derrota o Cruzeiro de Sorín no Mineirão. É o Vasco de Juninho, Romário e Euller, que seguiu rumo ao Tetra. Na campanha da Copa Mercosul, o Vasco goleia o River Plate de Ortega e Saviola no Monumental de Nuñes. Na decisão, o Vasco protagoniza a maior virada da história do futebol, revertendo um 3x0 para 4x3 contra o Palmeiras. Em 2001, o Vasco de Romário, Pedrinho, Juninho Paulista aplica 7x0 no Botafogo. Pelo Brasileiro, goleia o São Paulo por 7x1 em São Januário. Em 2007, o Vasco goleia o Grêmio pelo Brasileiro. Golaço de Romário, que, dentro da área, gira entre dois jogadores adversários e guarda no fundo do gol. A torcida em São Januário fez uma grande festa, com cascata de fogos e sinalizadores nas arquibancadas, tornando nosso estádio mais uma vez o maior caldeirão do mundo. Faço uma pausa nessa sequência histórica para lembrar jogos contra equipes fracas, mas que o Vasco fez valer sua superioridade, algo que falta nos dias de hoje: 6x0 no União São João com 6 gols de Edmundo e o 8x3 no Aurora, aplicados pelo Vasco de Juninho e Allan. Retomando as lembranças, em 2011 o Vasco monta um time competitivo, o primeiro depois dos anos 2000. Pelo Brasileiro, goleia o Grêmio, com golaço de Diego Souza, após drible no último defensor e batida pro gol do início da grande área, com a histórica comemoração do trem bala com seus companheiros. Na Libertadores de 2012 um golaço de Juninho contra o Libertad, após cobrar escanteio e a bola voltar para ele, batendo novamente para o gol, sem ângulo. Na comemoração fez questão de abraçar Dedé, que tinha passado por episódio de racismo por parte da torcida do Libertad no jogo de ida. O peso de nossa gigante história novamente se fez presente nas arquibancadas, para avisar ao mundo todo mais uma vez: “Eu já lutei por negros e operários”. A torcida se engajou em protestar contra o ocorrido no Paraguai. Em 2013 uma partida em que o extra campo envolvia uma questão histórica no Maracanã: o Vasco vence o Fluminense, em jogo em que o rival se viu no direito de posicionar sua torcida à direita das cabines de TV, alterando a histórica divisão de locais de torcida no Maracanã: Vasco e Botafogo à direita e Flamengo e Fluminense à esquerda, sendo fixos os lados de Vasco e Flamengo. O jogo passou a ter importância adicional; e Juninho marca um golaço no Novo Maracanã, numa batida seca, firme, da grande área, e na comemoração, corre em direção ao lado direito, local onde sempre esteve a torcida vascaína, apontando para a torcida rival que lá estava e mandando o recado de que ali era nosso lugar de direito. Esse jogador representa muito a nossa torcida e sempre se manifestou a favor do Vasco. Alegando ter contrato de posse do Maracanã, ignorando a história do estádio, a tradição das localizações das torcidas, com o objetivo de dividir a administração com o Flamengo, se consideraram donos de um estádio que nunca foi deles. E assim o Fluminense passou a pleitear que sua torcida ficasse à direita das cabines. No intervalo do jogo, ao ser entrevistado, Juninho diz: “O Vasco foi o primeiro campeão do Maracanã e devia estar desse lado”

Isso é Vasco, enorme torcida, inclusão e tradição, pioneirismo em títulos, grandes feitos dentro e fora de campo. O título de 1923, a Resposta Histórica de 1924 e a construção de São Januário em 1927, da forma que aconteceu, foram o embrião do que estava por vir nas décadas seguintes. Hoje somos uma família de mais de 20 milhões de vascaínos e vascaínas, e temos essa história para se orgulhar. É mais que um time de futebol, e todo jogador que vestir a camisa do Vasco de agora em diante terá que ter conhecimento dessa história e ter a capacidade técnica de representar o Vasco, como fizeram grandes jogadores de todas as décadas de nossa vitoriosa história. Saudações Vascaínas!

Jogos citados nesse texto:
Vasco 5x1 Flamengo | Torneio Municipal 1945*
Vasco 0x0 River Plate | Sul-Americano 1948*
Vasco 5x2 Flamengo | Estadual 1949*
Vasco 11x0 São Cristóvão | Estadual 1949*
Vasco 8x2 América | Estadual 1949*
Vasco 9x1 Madureira | Estadual 1950*
Vasco 4x1 Flamengo | Estadual 1950*
Vasco 4x3 Real Madrid | Intercontinental de Paris 1957*
Barcelona 2x7 Vasco | Amistoso 1957
Vasco 5x0 Fluminense | Taça Guanabara 1965*
Vasco 2x0 Botafogo | Taça Guanabara 1965*
Vasco 2x1 Botafogo | Estadual 1970*
Vasco 5x1 Santos | Torneio Roberto Gomes Pedrosa 1970
Vasco 2x1 Botafogo | Taça Guanabara 1976*
Vasco 6x0 Bangu | Estadual 1977*
Vasco 7x1 Madureira | Estadual 1977*
Vasco 3x0 Flamengo | Estadual 1977*
Vasco 5x2 Corinthians | Brasileirão 1980
Vasco 2x0 Flamengo | Taça Guanabara 1986*
Vasco 1x0 Flamengo | Estadual 1987*
Vasco 1x0 Flamengo | Estadual 1988*
Vasco 4x1 Goiás | Brasileirão 1989*
Vasco 3x0 Internacional | Brasileirão 1990
Vasco 3x1 Flamengo | Estadual 1994*
Vasco 4x1 Fluminense | Taça Guanabara 1994*
Vasco 5x2 Internacional | Brasileirão 1994
Cruzeiro 2x3 Vasco | Brasileirão 1995
Vasco 6x0 União São João | Brasileirão 1997*
Vasco 4x1 Flamengo | Brasileirão 1997*
River Plate 1x1 Vasco | Libertadores 1998*
Vasco 3x1 Santos | Brasileirão 1998
Vasco 3x1 Santos | Torneio Rio-SP 1999*
Vasco 8x1 Madureira | Taça Rio 1999*
Vasco 2x0 Flamengo | Taça Rio 1999*
Vasco 1x0 Flamengo | Brasileirão 1999
Vasco 2x1 Ponte Preta | Seletiva Libertadores 1999
Vasco 3x1 Manchester United | Mundial de Clubes 2000
Vasco 5x0 Cabo Frio | Taça Guanabara 2000*
Vasco 6x0 Americano | Taça Guanabara 2000*
Vasco 5x1 Flamengo | Taça Guanabara 2000*
Vasco 1x1 Botafogo | Taça Rio 2000
Vasco 4x3 Fluminense | Brasileirão 2000*
Vasco 4x0 Atlético MG | Brasileirão 2000*
Cruzeiro 1x3 Vasco | Brasileirão 2000*
River Plate 1x4 Vasco | Copa Mercosul 2000*
Palmeiras 3x4 Vasco | Copa Mercosul 2000*
Vasco 7x0 Botafogo | Taça Rio 2001*
Vasco 7x1 São Paulo | Brasileirão 2001
Vasco 4x0 Grêmio | Brasileirão 2007
Vasco 4x0 Grêmio | Brasileirão 2011
Vasco 8x3 Aurora-BOL | Sulamericana 2011
Vasco 2x0 Libertad-PAR | Libertadores 2012
Vasco 3x1 Fluminense | Brasileirão 2013

*Vasco campeão desses campeonatos

           (Juninho e Odvan no Vasco em 1999)

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