Quanto vale um sentimento?

Francisco Kronemberger

2010

No início deste ano foram divulgadas algumas “pesquisas” que atingiam diretamente ao Vasco e sua torcida. Fomos diminuídos em quantidade, valor e importância no cenário nacional.

Não sou teórico nem estudioso de psicologia, mas acredito que a isenção é quase uma utopia em todas as áreas. Vou tentar me despir por um instante da pele de cruzmaltino (uma verdadeira utopia) e analisar a marca Vasco do ponto de vista de um gestor de marketing.

Quem teve a oportunidade de conhecer o estádio do Barcelona, ou vê-lo em fotos ou vídeos, deve ter reparado uma frase que é uma verdadeira assinatura de marca: “Más que um club” (Mais que um clube). Uma frase curta, de apenas quatro palavras, mas que muito diz sobre o Barça.

O Barcelona é um símbolo da luta, resistência e do orgulho nacionalista do povo da Catalunha. Apesar da perseguição sofrida durante a ditadura do general Franco e do amplo favorecimento esportivo e político dado ao Real Madrid (o clube do ditador e, consequentemente, do Estado), o Barça era o único time a fazer frente ao Real.

Socialmente o Barcelona tem uma grande importância para os catalães. O governo Franco revogou a autonomia do estado da Catalunha e lhe impôs uma pesada repressão cultural e lingüística, proibindo o uso e o ensino de seu idioma. Com essa repressão, os catalães encontraram apenas um local onde poderiam ser exatamente o que eram: o estádio Camp Nou. A cada jogo a torcida se reunia para torcer pelo Barcelona e para cantar livremente em catalão.

O Barcelona criou uma relação profunda com a Catalunha, mas não se restringiu aquele espaço de terra encravado na Espanha. Quis crescer, trabalhou para isso e se tornou um gigante do futebol mundial, levando a cultura catalã a todo o planeta.

Voltando à realidade brasileira, nenhum clube pode se orgulhar de ter uma história tão bela de lutas e conquistas como o Vasco. Um clube que sempre deixou em primeiro lugar sua opção pelo social. Nasceu pequeno, mas logo se mostrou gigante, conquistou títulos, viu sua torcida crescer, tem seu estádio próprio construído pelo suor de seus apaixonados torcedores. Virou um celeiro de craques, foi o primeiro clube brasileiro a conquistar um título internacional (nem mesmo a Seleção Brasileira havia conquistado).

O Vasco, assim como o Barcelona, é “mais que um clube”. É parte da história do Brasil, é a representação fiel do amor de uma apaixonada torcida que, na alegria ou na tristeza, nunca o abandonará. É o símbolo da luta pela afirmação dos negros e pobres na sociedade.

Quanto vale esse simbolismo? E quanto vale o tamanho da torcida do Vasco?

Custo a crer que o Vasco tenha a quinta maior torcida do país. Como pode uma pesquisa que entrevistou 11 mil pessoas, em um universo de mais de 180 milhões, apontar com exatidão o tamanho de uma torcida? Como pode o Vasco, um clube com torcida em todos os estados do Brasil ter um percentual de torcedores só um pouco maior que clubes locais como Grêmio e Cruzeiro (com todo respeito a eles)? Quantos torcedores vascaínos, que lotam estádios Brasil afora, já foram ouvidos em uma pesquisa dessas?

O valor de uma marca esportiva é medido com base em três fatores principais: performance (conquistas), imagem do clube e tamanho e perfil da torcida. Tentando ser isento (algo quase impossível em se tratando de uma paixão como o futebol), afirmo que hoje o Vasco tem a quarta marca mais valiosa do Brasil. Está atrás, na ordem, de São Paulo (alta performance, imagem positiva e torcida grande e de alto poder aquisitivo), Flamengo (boa performance – alavancada pelo penta –, torcida enorme e grande apoio da mídia) e Corinthians (boa performance, torcida enorme, grande apoio da mídia e imagem bem trabalhada pelo marketing).

O Vasco resgatou sua imagem, está sendo apoiado pela mídia em seu processo de reconstrução e tem uma torcida enorme. Para nossa marca voltar a ser top de linha está faltando a performance, a conquista de títulos. Potencialmente, quem brigaria com o Vasco por esse quarto lugar seria o Palmeiras, que não tem uma torcida tão abrangente (é muito concentrada em São Paulo) quanto o Vasco e não tem se notabilizado pela conquista de títulos. Os demais clubes, a despeito de terem boas performances e imagens (notoriamente Inter e Cruzeiro), têm uma torcida quantitativamente bem inferior à vascaína, o que reduz o valor de suas marcas.

Então pergunto: quanto vale a marca Vasco, a quarta mais valiosa do futebol brasileiro?

O patrocínio da Eletrobrás foi, sem dúvida, uma grande conquista. Após anos sem patrocínios, um rebaixamento para a Série B, inúmeras incertezas políticas e estruturais, crise econômica mundial, conseguir R$ 12,5 milhões foi um grande negócio. Mas hoje o cenário é diferente. A crise mundial passou, o mercado de patrocínios esportivos se aqueceu, a marca Vasco se fortaleceu. E o valor do patrocínio ficou defasado. Se Flamengo e Corinthians conseguem mais de 22 milhões apenas para o futebol, devemos pensar em algo no mínimo em torno de 18 milhões. O contrato com a Eletrobrás é de dois anos renováveis por mais dois. No final do ano será o momento de a diretoria reavaliar esse contrato. Se eu fosse o gestor do clube agradeceria a parceria e partiria para o setor privado. Não teríamos problemas com certidões e certamente poderíamos captar um patrocínio bem maior.

Prefiro nem comentar o valor pago pelo Habib´s, uma vergonha. Quero aqui registrar que a empresa não tem nada com isso: fechou um estupendo negócio e cumpre à risca o acordado. Os "errados" nessa história são os diretores do Vasco: os antigos, que submeteram o clube a um contrato de time de várzea, e os atuais, que já tiverem tempo mais que suficiente para cancelarem ou renegociarem esse contrato.

Para fechar, retomo a pergunta que dá título a esta coluna: quanto vale um sentimento? Quanto vale o nosso amor pelo Vasco? A melhor resposta que podemos dar aos infames pesquisadores que teimam em diminuir o valor do Vasco e o tamanho de sua torcida é nos tornarmos sócios, lotarmos os estádios, comprarmos produtos oficiais e espalharmos uma onda vascaína pelo Brasil.

E aí, quanto vale o seu sentimento?

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