Flamengo, um clube populoso

Em meados do século XIX a nobreza da então capital do império, afugentada pelos problemas do Centro da cidade, tais como ruas apertadas e sem saneamento, migrou para os bairros localizados ao sul, em direção a entrada da Baía de Guanabara. Assim, nessa ordem territorial e cronológica, prosperaram com os novos moradores os bairros da Glória, do Catete, do Flamengo (junto com Largo do Machado e instâncias de Laranjeiras), Botafogo, e assim por diante até atingir a costa litorânea, já fora da Baía, surgindo Copacabana, Ipanema, etc (isso já bem depois). Em 1895, ano de fundação do Flamengo, o bairro de mesmo nome estabelecia-se como o bairro da aristocracia da então capital da recém-nascida república. Seus moradores eram grandes proprietários, membros do alto escalão do governo federal e grandes formadores de opinião, como, por exemplo, a família Sousa Dantas, criadora do Jornal do Brasil, o principal jornal da cidade por muitas décadas. O Flamengo foi fundado por jovens desportistas de nobres famílias. Suas cores iniciais eram o azul e o amarelo em listras horizontais (o azul do mar o amarelo do ouro – a nobreza). É nesse cenário que nascem, longe do povo e nos braços da elite. Seu quadro social era restrito aos grandes sobrenomes e logo formou uma reunião das castas mais favorecidas da cidade. Eis que em 1902 o futebol chega oficialmente à futura cidade maravilhosa, nas malas de Oscar Cox, que funda o Fluminense Football Club, de origem eminentemente inglesa e igualmente aristocrática, que inaugura o famoso esporte bretão nos altos círculos sociais cariocas (até hoje a torcida tricolor é muito forte na Zona Sul da cidade). A popularidade do novo esporte cresceu vertiginosamente até que em 1911 dissidentes do time reserva do Fluminense fundam o departamento de futebol do CR do Flamengo. Logo o futebol vira notícia de jornal e vende como nunca um esporte havia vendido antes. Multidões de pessoas, da elite e do povo, aglomeravam-se nos campinhos montados nas instâncias ainda vazias da Zona Sul para assistir aos jovens de famílias de grife duelarem pela bola. Em 1917 o governo federal cede ao clube um grande terreno no bairro da Gávea para a instalação do seu estádio de futebol. Crescia forte a ideia dos clubes como patrimônios geradores de riqueza e fama, e é nesse ideal que o CR do Flamengo se vale da influência de seu invejável quadro social para difundir o clube ao país. Além da família Dantas, outros formadores de opinião já estavam inseridos na vida do clube, como o sócio Irineu Marinho, cujo filho Roberto remava desde garoto naquelas raias. É neste ínterim, recebendo atenção especial e maior espaço nas mídias da época, já em meados dos anos 20, que o Flamengo chega até as classes pobres da cidade do Rio de Janeiro e começa o seu processo de popularização. Com o surgimento da Rádio Nacional em 1936 um novo patamar é galgado, um patamar da dimensão do Brasil. A Rádio Nacional é a fonte de onde todos os clubes cariocas beberam, mas nenhum se aproveitou tanto e com tanta exclusividade como o CR do Flamengo. O diretor de esportes da recém-nascida rádio era Oduvaldo Cozzi, famoso sócio e torcedor do time da Gávea, e foi também o primeiro narrador de futebol (sendo sucedido por Ari Barroso). Cozzi fez de Leônidas da Silva, o Diamante Negro, que a época jogava pelo Flamengo, o primeiro ídolo de âmbito nacional do futebol. Leônidas foi contratado pelo Flamengo em 1939 (junto ao Botafogo), e é reconhecido como o primeiro jogador negro a vestir a camisa rubro-negra. O Diamante Negro já tinha fama na cidade e até a seleção já havia defendido. Já havia representado outros clubes da Zona Norte que aceitavam negros e pobres em seu plantel e havia sido campeão e artilheiro do campeonato carioca de 1934 pelo CR Vasco da Gama. Daí em diante, seguindo esta receita, o bolo cresceu, e muito, e hoje o Flamengo é popular. Não há como negar que seja um time do povo, pois o tempo legitimou essa condição, mas as suas raízes e o modo como chegou ao povo nunca poderá ser negado. Não nasceu do povo, mas foi levado ao povo por aqueles que comandam o povo. De cima para baixo.

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